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A Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (“JUCERJA”) aprovou a Deliberação nº 168, de 31 de março de 2025, que entrou em vigor em 3 de junho de 2025, com o objetivo de disciplinar de forma mais rigorosa as regras sobre assinaturas e validação documental no âmbito de seus serviços. A medida, aprovada na Sessão Plenária nº 2634ª, de 27 de março de 2025, não surgiu por acaso: é reflexo direto de um problema recorrente e grave que afeta a segurança jurídica das sociedades empresariais no Estado – a prática de fraudes documentais em processos de alteração contratual.
1. O Contexto: A Falha Sistêmica no Protocolo Híbrido
Até a edição da Deliberação nº 168, o procedimento híbrido – caracterizado pela abertura digital do processo e posterior entrega física de documentos – não exigia o reconhecimento de firma dos signatários dos atos levados a registro. Tal lacuna abria caminho para fraudes simples, mas devastadoras: bastava que um terceiro, com acesso à plataforma digital da JUCERJA, iniciasse um protocolo com dados da empresa e, posteriormente, apresentasse documentos físicos adulterados, com assinaturas falsificadas, nas Delegacias da JUCERJA ou unidades de agentes parceiros.
Nosso escritório, aliás, vem atuando em um caso que ilustra os danos causados por essa fragilidade institucional. Um cliente teve 100% de suas quotas sociais transferidas a um terceiro, mediante falsificação grosseira de sua assinatura, sem qualquer autorização ou ciência prévia. Além de ver suas quotas sociais transferidas sem sua anuência, o terceiro também assumiu a administração da sociedade e se nomeou responsável pelo CNPJ junto à Receita Federal, causando naturalmente prejuízos para a empresa.
O processo de registro do ato societário foi realizado justamente por meio de protocolo híbrido, e os documentos físicos entregues não passaram por uma verificação de autenticidade por parte da Junta Comercial. E este não é um caso isolado. A ausência de exigências mais robustas para a verificação das assinaturas físicas vinha sendo explorada de forma sistemática por fraudadores, e diversas empresas foram surpreendidas por alterações contratuais ilegítimas, com efeitos jurídicos e patrimoniais imediatos.
Na defesa dos interesses de nosso cliente, adotamos providências enérgicas em diversas frentes. Na esfera judicial, ingressamos com tutela de urgência cautelar em caráter antecedente e obtivemos êxito na suspensão dos efeitos da alteração contratual fraudulenta, resguardando os direitos societários do verdadeiro titular das quotas.
Paralelamente à atuação judicial, também comunicamos formalmente a ocorrência da fraude e diligenciamos junto à JUCERJA no sentido de obter o cancelamento do ato indevido, o que foi deferido por seu Presidente, após análise da documentação e comprovação dos indícios de falsificação em processo administrativo próprio.
Além disso, verificamos que o fraudador pretendia realizar retificações nas informações fiscais da empresa com o objetivo de gerar créditos tributários inexistentes, buscando, ao que tudo indica, beneficiar-se financeiramente por meio de pedidos de restituição de tributos pagos pela sociedade. Conseguimos evitar que a fraude se consumasse no âmbito fiscal, protegendo o patrimônio da empresa e evitando prejuízos à ordem tributária.
Essas ações demonstram não apenas a gravidade das consequências que podem decorrer de falhas no processo de registro público, mas também a importância de uma resposta rápida, coordenada e estratégica, tanto no âmbito judicial quanto nas esferas administrativa e fiscal.
2. O Dever Legal de Diligência da Junta Comercial
A atuação da JUCERJA, enquanto órgão de registro público de empresas, não pode se limitar a uma função meramente protocolar. A Lei nº 8.934/94, que regula o registro público de empresas mercantis, impõe à Junta Comercial o dever de examinar a legalidade formal dos atos submetidos ao seu crivo. Em especial: (i) a prova de identidade dos titulares e dos administradores da empresa mercantil (art. 37, inciso V); e (ii) a verificação da regularidade formal dos documentos apresentados (art. 40).
Portanto, ao aceitar documentos com assinaturas manifestamente falsas, sem proceder à verificação de sua regularidade ou qualquer outra diligência mínima, a Junta Comercial falha em seu dever legal de fiscalização, o que fragiliza todo o sistema de segurança jurídica que se espera do registro público, tutelado pelo artigo 37 da Constituição Federal, que exige a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
3. As Mudanças Introduzidas pela Deliberação nº 168/2025
A Deliberação nº 168/2025 representa, assim, um avanço importante e necessário. Dentre as medidas previstas, destaca-se, para os protocolos 100% digitais, a exigência de que todos os partícipes assinem digitalmente os instrumentos mediante: (i) assinatura eletrônica qualificada (certificado digital); (ii) assinatura pelo sistema gov.br; ou (iii) assinatura em plataforma digital da própria JUCERJA (art. 10, §2º).
Para fins do disposto na Lei nº 14.063/2020, entende-se por assinatura eletrônica qualificada aquela que utiliza certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil. Com isso, as assinaturas eletrônicas avançadas, que via de regra se utilizam de outros meios de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica (por exemplo: assinatura via plataforma eletrônica sem certificado digital), não serão mais admitidas como assinaturas válidas para protocolos relacionados à constituição, alteração, extinção, estatutos e atas das empresas. Contudo, essa modalidade mais simplificada somente será admitida para o assinante estrangeiro residente e domiciliado no exterior.
No tocante aos protocolos híbridos, as regras impostas pela Deliberação nº 168/2025 tornaram-se mais rigorosas, pois passou-se a exigir o reconhecimento de firma, por semelhança ou autenticidade, de todas as assinaturas lançadas no instrumento físico (art. 11, §3º). Além disso, impôs-se ao servidor o dever de conferência dos selos cartorários e da certidão de regularidade do assinante, além da declaração de autenticidade (art. 13).
Embora se possa cogitar eventual ilegalidade do disposto no art. 11, §3º da Deliberação nº 168/2025, quando analisado em conjunto com o art. 63 da Lei nº 8.934/94 – “Os atos levados a arquivamento nas juntas comerciais são dispensados de reconhecimento de firma” – (o que não se pretende discutir neste texto), não seria forçoso reconhecer que as novas exigências visam a justamente dificultar ou inviabilizar as fraudes que vinham sendo cometidas no modelo híbrido, reforçando a confiabilidade dos registros.
4. Mais do que uma Deliberação: Um Sinal de Alerta
É fundamental reconhecer que a Deliberação nº 168/2025 não foi uma simples atualização administrativa, mas uma reação necessária a sucessivas fraudes que colocaram em xeque a credibilidade do sistema de registro mercantil no estado do Rio de Janeiro. A medida, embora tardia, sinaliza um compromisso com a integridade do ambiente de negócios, sendo essencial para a proteção de empreendedores, investidores e credores.
A experiência concreta de nosso cliente, que se viu alijado de sua própria empresa por um ato ilícito, chancelado pela ausência de cumprimento das formalidades legais pela JUCERJA – que deixou de fazer a análise formal e documental quando da apresentação do ato fraudulento para registro –, demonstra que, além da regulamentação, é preciso haver efetiva fiscalização e responsabilização dos agentes públicos que deixam de cumprir seu dever de diligência (art. 37, §6º da Constituição Federal).
5. Conclusão
A Deliberação JUCERJA nº 168/2025 deve ser vista não apenas como um simples instrumento normativo. Ela representa uma tentativa de reverter o quadro alarmante de fraudes que vinham sendo facilitadas por um modelo operacional permissivo e vulnerável. A exigência de assinaturas digitais qualificadas ou com reconhecimento de firma é medida que fortalece a segurança jurídica e a confiança nos registros mercantis.
Contudo, para que haja real efetividade, será indispensável vigiar o cumprimento dessas regras nas delegacias da JUCERJA e nos agentes conveniados, além de assegurar a punição de atos omissos e coniventes. O registro público é pilar do ordenamento econômico – e não pode ser um canal de legitimação da fraude.



